Câmara concede Título de Cidadã Votuporanguense à senhora Palmira Biscassi Catanozzi

Homenagem, de autoria do vereador Jura Silva, foi entregue na sessão desta segunda-feira (19/12), em momento solene que marcou o encerramento do ano legislativo, pelos relevantes serviços prestados ao Município durante a trajetória da homenageada.
Currículo
[A história que será contada aqui, não será um relato de uma personalidade importante, responsável por grandes feitos, mas sim, um roteiro cronológico de vida simples, de uma pessoa que no auge de seu singelo ofício, pode alcançar a vida de jovens, com carência afetiva, limitações físicas ou intelectuais, as quais dificultavam o rendimento escolar e que de certa forma, eram tocados por um colo acolhedor, de uma senhora com palavras doces de sotaque italiano.
Em 1924, no município de Santa Adélia, São Paulo, nascia a senhora Palmira Biscassi. O ano em que nascera, foi marcado pela Revolta Paulista, movimento tenentista que tinha o objetivo de derrubar o governo de Artur Bernardes, presidente do Brasil na época.
Após o movimento ter sido derrotado pelas tropas do governo, os rebeldes fugiram da capital, marchando rumo ao interior de São Paulo, onde espalharam seus ideais pelo sertão à fora. Foram anos difíceis, os pais de Palmira, imigrantes italianos, da região do Vêneto, ainda lutavam para se estabelecerem neste país de “terra rossa”, “terra vermelha, onde tudo que se planta, nasce”.
Em 1930, os pais de Palmira decidem se mudar para a capital, Palmira havia acabado de completar seis anos de idade.
Lá, sua mãe, Amabile Pellegrino, tinha irmãos que haviam prosperado no ramo da indústria e possuíam um palacete no bairro do Cambuci, onde foram morar no subsolo da propriedade.
Um ano mais tarde, foram obrigados a regressarem à Santa Adélia, devido à crise que se iniciou no final de 1930, que prejudicou a economia do país.
Ao retornarem à região do território de Taquaritinga, seus pais e irmãos mais velhos, foram trabalhar nas fazendas da região, na formação do plantio de café. Nessa época, a senhora Palmira, tinha entre sete e oito anos, ainda não ia à lida, mas iniciava seus estudos nas escolinhas das fazendas.
Permaneceram ali, até inicio da década de 1940, por último, prestando serviço ao fazendeiro Inôcencio Figueiredo, que mais tarde comprou terras nas imediações da Cachoeirinha, região da Vila Monteiro, São Paulo.
Objetivando o desenvolvimento da cafeicultura na região, o senhor Inocêncio ofereceu transferência ao senhor Alexandre Biscassi, pai da senhora Palmira, que desempenhava um trabalho muito satisfatório ali, naquela fazenda.
Com proposta de melhores condições de ganho em seu novo destino e pensando no futuro e conforto de sua família, o senhor Alexandre decidiu em aceitar a proposta.
Quando aqui chegaram, não esperavam encontrar, o que encontraram. A região ainda era de mata fechada e para plantar o café, era preciso desbravar.
Palmira já com seus dezessete anos, não poderia continuar seus estudos, era preciso ajudar a família. Trabalharam por dois longos anos e após ver despontar o primeiro plantio de arroz e café, seu pai, o senhor Alexandre, com apenas 56 anos de idade, veio a falecer por complicações renais.
A tristeza pela perda do seu amado pai foi grande e quando pensavam que a tristeza não poderia ser maior, com o café ainda “de joelho”, veio a seca e acabou com tudo.
Como a vida nunca foi fácil para a família da senhora Palmira, todos esses infortúnios não foram capazes de vencer a garra desta família e do zero começaram novamente.
A Vila Monteiro, na época ainda distrito de Tanabi, era um vilarejo vibrante, com muitos bailes à beira do rio Bonito e córrego do leite. Não só de trabalho, a vida daquela juventude era
composta e foi em um desses bailes, que a senhora Palmira conheceu o senhor Domingos Catanozzi, o qual ela viera a se casar mais tarde.
O tempo foi se passando, o café e arroz plantado, foi ficando cada vez mais bonitos e ao lombo de um cavalo, o senhor Domingos aparece na porta da casa da senhora Amabile, matriarca dos Biscassi, para pedir a mão da senhora Palmira em namoro.
Com o pedido formalizado e aceito, o casal começou a planejar o futuro.
Em 1944, a Vila Monteiro passa a se chamar “Igapira” e se torna distrito do recém criado Município de Votuporanga.
É chegado o dia da colheita, mas dessa vez, a família Biscassi obteve êxito no resultado.
Com a venda do café, conseguiram colocar as finanças em dia, montar o enxoval das moças, comprar insumos e animais. Já com o arroz, garantiram o sustento da família até a próxima colheita.
Também tiveram êxito, a família do senhor Domingos Catanozzi, a qual possuíam uma propriedade vizinha à fazenda, onde moravam a família Biscassi.
Em 25 de abril de 1946, a senhora Palmira e o senhor Domingos, contraem matrimônio no distrito de Igapira e por lá permanecem até o final do primeiro semestre do corrente ano.
Já em julho de 1946, decidem se mudar para Votuporanga, em virtude da grande epidemia de “maleita” que ocorria naquele distrito.
Em Votuporanga, o primeiro endereço que fizeram morada, foi na rua Amazonas, na altura, onde hoje se encontra a numeração 4538.
Nas imediações, ainda haviam poucas casas, seus vizinhos mais próximos eram a família Mainardi e a Máquina de benefício de café, do espanhol, “ Braolho”. No lugar onde hoje é a praça Santa Luzia, havia um carrapichal que alcançava a cintura.
Não demorou muito, o senhor Domingos, conseguiu trabalho na cidade, porém, de lavrador, passou ao ofício de carpinteiro da prefeitura.
Seu primeiro trabalho foi a construção do “Matadouro”, próximo à Pedreira e depois a construção da Ponte do Rio São José.
Dona Palmira conta que nessa época a prefeitura possuía apenas um caminhãozinho pé de bode e que o trajeto para chegar ao local da construção da ponte do rio São José, era de difícil acesso e assim, para concluir a obra, tinham que ficar por oito dias longe de casa.
Dona Palmira era do lar, concentrava suas tarefas nos afazeres da casa, marido e igreja. Gostava de ajudar nas obras assistenciais da igreja em prol à Santa Casa, que na época tinha apenas um pavilhão. O padre era o Pe. João, da Capelinha demolida, onde hoje se encontra a fonte da praça da Catedral.
Em 1948, com o dinheiro que ainda tinham da colheita e as economias do trabalho de seu marido, compraram um terreno do Senhor Augusto Paes, que havia desmembrado parte da sua fazenda para loteamento de terrenos no município.
Para ser exato, o terreno comprado, era onde hoje se encontra o cruzamento das ruas Sergipe e Rio de Janeiro. Ali construíram uma casa singela e logo depois se mudaram para ela. Existiam
apenas algumas casas, nas imediações. A maioria das casas, compunham a Vila do senhor Manoel Matta, “Villa Matta”.
A rua Rio de Janeiro, terminava bem em frende à casa da senhora Palmira e do senhor Domingos, que em virtude do desenvolvimento da cidade, teve que ser prolongada até a avenida Augusto Paes e consequentemente, foi necessário demolir a casa que construíram com tanto sacrifício.
Com o dinheiro da indenização que a prefeitura pagou, eles compraram o imóvel vizinho, onde ela reside até o presente momento.
No início da década de 1950, a vida ia bem, porém dona Palmira sentia que faltava algo em sua vida. Por motivação de sua nova vizinha, a senhora Erotildes Bonetti, que era professora, pensou em voltar seus estudos, porém a vida tomou novos rumos, mas não a distanciou da escola.
No final da década de 1950, dona Palmira foi indicada para fazer parte do quadro de funcionários do Ginásio, (Instituto Educacional José Manoel Lobo), onde hoje fica o memorial da UNIFEV, na rua Pernambuco.
A indicação foi feita pela dona Erotildes, professora de física e a senhora Diva Góes, inspetora de alunos na época, também do ginásio, à Diretora Neusa Ferreira Gonçalves, que à contratou.
Então, dona Palmira assumiu o cargo de servente, no Ginásio, sob direção do senhor Rachid Honsi, durante os três últimos anos de mandato do prefeito João Gonçalves Leite, (de 1957 a 1960).
O período que trabalhou ali, conquistou o carinho de todos, alunos, professores e funcionários.
Dona Palmira era apoiadora do prefeito “João Leite” e ao assumir a prefeitura, no ano de 1960, o senhor Hernani de Mattos Nabuco, sabendo disso, dispensou seus serviços.
Dona Palmira conta que a prefeitura passou por uma grande crise, ficava até meses sem receber salário. Não desistia do trabalho, pois amava aquele ambiente que havia conquistado e principalmente pelos amados alunos.
A senhora Catanozzi, não pode ter filhos, em razão de uma anomalia que não deixou seu útero se desenvolver. Ela e seu esposo, estavam prontos para adotar um filho, mas logo sua mãe, Amabile, já com idade avançada, sogra Marcella, também idosa e cunhado, Salvador que era surdo vieram a morar com eles.
Mesmo com a dispensa, dona Palmira não desistiu de lutar pelo seu trabalho e com a ajuda do Frei Benjamim, que a conhecia pelo seu coração caridoso, juntamente com o Capitão Almeida, conseguiram viabilizar sua ida a São Paulo, para prestar as provas do concurso, para vaga do cargo de funcionário Público do Estado, no ano de 1962.
Dona Palmira é chamada para prestar exames em São Paulo e lá permanece por duas semanas. Ao termino dos exames, dona Palmira volta para Votuporanga e dias mais tarde recebe a notícia de que havia passado nos testes.
Agora nomeada como funcionária pública, ela volta a trabalhar na escola, só que dessa vez como funcionária efetiva.
Lembra-se que começou a trabalhar num sábado e não mais no ginásio da rua Pernambuco, próximo à sua casa. Quando retornou ao seu trabalho, o Ginásio passou para o endereço da rua Amazonas, onde hoje é o Instituto José Manoel Lobo.
Ali, trabalhou por alguns meses, depois dona Palmira passa a prestar os seus serviços em outra unidade. As salas do “I.E.”, não eram suficientes para comportar a demanda de alunos, então a “Escola do Comércio”, passa a abrigar a extensão do 2º Ginásio.
No segundo Ginásio, trabalhou com muito zelo, acordava bem cedinho para deixar tudo em ordem. Fez um vasto círculo de amizades. Amava os alunos, sempre quando podia, lá estava dona Palmira, recitando versos de poesias italianas, no meio da rapaziada. Ali conheceu grandes amigas como a saudosa Dona Diva Costa Curta Góes e Maria do Carmo Davanço, a saudosa “Dona Cóca”, ambas inspetoras de alunos.
Quinze anos se passaram, com as novas diretrizes, os grupos e ginásios se fundiram, tornando as escolas de 1º e 2º grau. Como o prédio do 2º Ginásio era um prédio privado, o 2º ginásio se fundiu ao Grupo escolar Sarah Arnold Barbosa, onde em 1977, dona Palmira veio a trabalhar. Com a fusão, a senhora Odete Comar, assume a diretoria.
Foi preciso fazer uma reorganização e distribuição de funcionários. Dona Palmira era servente, ajudada na biblioteca e assistia aos alunos, este último era o cargo que ela mais amava.
Sem ter filhos, pelos motivos supracitados, dona Palmira pode sentir um pedacinho do amor que a maternidade propicia.
Na década de 1970, não haviam serviços de apoio social e psicológicos como vemos hoje em nosso município.
Alguns alunos com problemas familiares e perda dos pais, passavam por dificuldade no aprendizado. Era visível a queda no desempenho, que essa carência ocasionava. Muitos chegavam nas salas de aula, muitas vezes, sem qualquer cuidado e higiene, com feridas abertas, cabelos precisando de corte, piolho que não davam sossego àquelas cabecinhas atordoadas.
Trazer esses alunos às condições de rendimento escolar, era um grande desafio, que deixou de ser impossível, graças ao empenho da Senhora Odete Comar, Dona Diva Góes e Dona Palmira, que uniram forças para garantir um ambiente humanizado o qual acolhiam esses alunos em seus colos literalmente.
Dona Palmira tinha o papel de, enquanto passava o pente fino nos cabelos dos alunos, cantar suas canções italianas, aprendidas com sua mãe. Cada haste de Merthiolate passada, uma história de coragem contada e um grito que seguia…
Ela se lembra até hoje, de um aluno que perdera seus pais e que no limite daquela carência, se rendia em lagrimas em seu colo, oferecido como apoio, nos intervalos do recreio.
Adorava interagir com a molecada. Atuava em peças de teatro fazendo personagens engraçados. Lembra-se da parceria na atuação do senhor Teixeira como noivo da festa junina.
Lembra-se também com muito carinho do senhor Édson Salício, Dona Alice, Senhor Lamartine, Nelson Fiorentino, Senhora Cicarelli, todos funcionários e amigos que com ela estiveram até a sua aposentadoria, no início da década de 1990.
Foram anos de muito trabalho, sobretudo com muita alegria.
De seus 98 anos, quase 70 foram vividos aqui, em Votuporanga. Trabalhou entre 1952 a 1992 em instituição de ensino, totalizando 40 anos de trabalho. Aposentou-se na escola Sarah Arnoldi Barbosa, sob direção da senhora Marilda Mantovani.
O amor e dedicação, também era estendido aos seus familiares, os quais mãe, sogra, sogro, cunhado com necessidades especiais, esposo e sobrinho-neto também foram contemplados por seus cuidados e carinho. Dona Palmira Biscassi Catanozzi é um exemplo de trabalho e resiliência a ser seguido.
Em suas Palavras, diz ser: “Sou aquela árvore frondosa, que não produziu frutos, mas que acolhe sob suas copas, todos aqueles que buscam um pouco de sombra.”
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